Alceu Junior Maciel
Na obra "Estado de Exceção" (2004), Giorgio Agamben apresenta a exceção como paradigma de governo, pois ocupa o centro do poder estatal, demonstrando a ilegitimidade das democracias representativas que circunscreve as formas de poder da atualidade. O autor apresenta a exceção no centro do poder do estado contemporâneo, tornando a relação entre direito e vida sem articulação política, ou seja, operando no vazio, isto é, "onde uma ação humana sem relação com o direito está diante de uma norma sem relação com a vida".
Com a exceção no centro político administrativo do estado contemporâneo - e isto na visão do autor não se articula na modernidade mas faz parte das estruturas da razão civilizatória ocidental - "o aspecto normativo do direito pode ser, assim, impunemente eliminado e contestado por uma violência governamental". Na relação entre o direito e a vida não existe "articulação substancial", sendo possível a ação de violência pelo próprio ordenamento jurídico/político e de forma legítima.
Na visão de Bauman, o estado é consequência da racionalização sistêmica instrumental, assume a noção de jardineiro, já que a razão articulada com a técnica pode buscar formas de harmonizar e ordenar o mundo vivido. Criam-se padrões de beleza assim como de limpeza e o estado, operando como máquina jurídica administrativa se encarrega de pôr em prática as teorias cientificistas positivistas, culminando em atrocidades como o nazismo e o fascismo. Ambas surgem como consequência histórica do processo científico moderno iniciado no iluminismo.
As práticas de eugenia idealizadas para a conformação da criação do ser humano perfeito aos padrões científicos, possibilitaram de forma legal o aniquilamento de vidas alheias ao padrão vigente. O que se percebe na atualidade é a eliminação - quando não há a inserção no mundo do consumo através de políticas públicas - de vidas desprovidas de valor diante do sistema hegemônico, onde a relação entre indivíduos acontece em conformidade com as capacidades produtivistas e consumistas.
O estado como dispositivo técnico-administrativo-racional-gerenciador da vida biológica, em última instancia, age como máquina antropológica que insere a zoé na política, em outras palavras, não mais a pólis, mas o campo se torna o espaço (lócus) por excelência da política. Na modernidade se tem um campo de concentração e um estado em permanente exceção e articulação biopolítica - gerenciador da vida biológica - na produção de "vida nua".
A exceção se apresenta como paradigma de governo e ocupa o centro do poder, operando num espaço vazio entre a ação humana e o direito, e/ou, entre vida e norma que continua seu trajeto pela história sem interrupção, se apresenta nos totalitarismos (bem como nas democracias) contemporâneos e permanece a administrar juridicamente o mundo da vida. O direito está desarticulado da vida e a política perde a sua eficácia ao assumir a vida através de mecanismos administrativos e jurídicos, tornando-se biopolítica, assumindo-a (a vida) pelos sistemas de controle e estratificação num processo de gerenciamento, técnica de governo e controle. Esta relação está na gênese do ocidente.
O fundamento ontológico do direito possibilita o estado de exceção que, torna -se o paradigma de governo. A vida se desnuda, já que é o estado que a humaniza, potencializando-a - "faz viver e deixa morrer" - numa dialética de possibilidades tecnicistas a partir de instrumentais racionalistas tornando-a recurso ativo para o estado. Pode-se perceber esta inter-relação biopolítica de aprisionamento das potencialidades vitais dos indivíduos, como recurso passível de controle, na inserção das vidas na máquina jurídica, político e administrativa do estado, a partir de mecanismos de controle e estatísticas, potencializando os recursos e consequentemente, no sistema capitalista, a produtividade e o consumo, administrando a vida biológica dos indivíduos.
Neste contexto, o estado assume para si o pleno controle que implica numa jurisdição das relações humanas - originária - na administrabilidade do mundo da vida. O próprio conceito de cidadania, apresentado por Agamben em "Homo sacer: o Poder Soberano e a vida nua" (2002) está circunscrito em determinações biopolíticas da soberania de estado, a partir da Revolução Francesa, pois no direito romano a cidadania era direito daquele nascido em solo romano e ao descendente de genitores cidadãos. Eram utilizados estes dois critérios jurídicos para a inserção da vida na ordem estatal e tais critérios não possuem "significado político essencial".
Assim, o estado age como força soberana na inserção da zoé na pólis. As inúmeras declarações de direitos são dispositivos burocráticos controladoras da vida como instrumento gerencial e administrável, que pode ser desprovida de significado e de sentido, ou seja, pode se tornar "vida nua". Esta vida no limiar existencial, matável e insacrificável homo sacer, assume na modernidade a centralidade da vida política, fazendo dos campos de concentração o paradigma moderno de governo.
A partir desta análise, o que resta é o "dasein" (ser aí), o submisso, o muçulmano, o hebreu de Auschwitz e/ou o indivíduo contemporâneo. Nesta perspectiva, o campo de concentração faz parte da constituição da modernidade e se todas as ações forem pautadas na produção, consumo e sobre a consolidação da economia então esta é uma reprodução da dimensão biológica da vida (Zoé) que se torna politizada através de ações e mecanismos jurídico político e administrativo do estado.
Alceu Junior Maciel
Professor, Membro do Grupo de Estudos Interdisciplinar em Ciências Humanas.
E-mail: [email protected]
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