Terezinha de Fátima Juraczky Scziminski / Maria Benedita de Paula e Silva Polomanei
A atual conjuntura econômica, política e jurídica brasileira, principalmente no que tange a dogmática jurídica das interpretações da legalidade em relação ao Impeachment do presidente do Brasil, vem sendo questionada pelos renomados juristas. A dogmática jurídica preocupa-se em orientar a ação e possibilitar uma decisão, sempre calcada em premissas estabelecidas sob pressupostos válidos, segundo a lógica, a experiência concreta ou valores fundamentais do Direito. Os pressupostos são evidenciados na forma cognitiva ou são levantados por experiências reais, geradas por casos concretos ocorridos.
Levando em conta o fato de que o Brasil se enquadra no modelo do Estado Democrático de Direito, que tem entre suas características a observância da legalidade nas suas relações. Essa legalidade encontra fundamento na hierarquia superior dos diplomas legais.
Por Estado Democrático de Direito entende-se a possibilidade de organização estatal, modelo este, que se contrapôs ao absolutismo, cujos princípios constituiu a Magna Carta brasileira, chamada de Carta Cidadã. Seus elementos principais são: a limitação do poder do Estado e a declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana. Surge, assim, a ideia da Supremacia da Constituição.
Por conseguinte, a Constituição é produto da vontade popular por meio do regime democrático representativo, fundado em princípios que explícitos ou implícitos, informam e conformam o ordenamento jurídico vigente. Dentre os princípios acolhidos na Constituição Federal encontram-se os princípios da legalidade e da segurança jurídica. Esses princípios buscam a proteção à confiança no direito contemporâneo, pois como disserta Mello (2008, p. 124-125), "o Direito propõe-se a ensejar certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social", e acrescenta que "esta segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do homem: a da segurança em si mesma".
Nesta direção, a Constituição Federal de 1988 não só protege a segurança jurídica, mas também a consubstancia, ao definir as autoridades competentes, os atos a serem editados, os conteúdos a serem regulados, os procedimentos devidos, as matérias a serem tratadas, com o intuito de potencializar os ideais, principalmente de confiabilidade normativa.
Além do mais, afirma-se a supremacia da lei, como um vetor essencial para favorecer os ideais de confiabilidade e incrementar a segurança jurídica. Nesse sentido, a lei é garantia de liberdade de ação e de limitação do poder, decorrente da Lei maior. A lei reflete o princípio democrático, assentada na soberania popular.
Questão importante a ser considerada é a imparcialidade como condição primordial para o cumprimento dos princípios da divisão dos poderes. Dizia Montesquieu em sua obra: "O Espírito das Leis", publicada em 1748, "É preciso que, pela disposição das coisas, o poder retenha o poder". Essa imparcialidade da função jurisdicional também está prevista na Declaração Universal dos Direitos do Homem, englobada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, reunidas em Paris em 1948.
Na atual crise política do Brasil, em que entes políticos, administrativos e jurídicos discutem e refletem utilizando os mesmos princípios, ou seja, princípio da legalidade, da segurança jurídica e do Estado Democrático de Direito. Cada qual defende com propriedade nos parâmetros constitucionais, argumentos contra e a favor do Impeachment.
Se quem denuncia e quem defende utiliza os mesmos conceitos, a mesma legalidade se apresenta com o questionamento: Qual a concepção de democracia em que estamos inseridos? A dogmática interpretativa mostra insegurança jurídica? Ou ainda, a judicialização da política está ocorrendo entre o limiar do jurídico e do político?
Nesse sentido permite a pertinência da análise de Giorgio Agamben, que se mostra evidente: o estado de exceção é o paradigma de governo das democracias Ocidentais. É como se a normalidade do estado de exceção aumentasse progressivamente sob a determinação de um padrão de segurança à democracia, como técnica normal de governo. Como se, de certa forma, o poder Executivo se transformasse em Legislativo e vice versa. Por vezes, o Judiciário intervindo em questões políticas. Assim, mostrando com evidência que o princípio democrático da divisão de poderes hoje está caduco e que o poder judiciário vem absorvendo de fato, ao menos em parte, os demais poderes. Pelo menos é o que mostram as evidências do cenário social, político e econômico na atualidade.
Com referência aos três poderes já citados, se torna significativo ressaltar que na esteira de John Locke (1632 - 1704) que já questionava os regimes absolutistas Charles Montesquieu (1689 - 1755) personificou na, também já citada obra, O Espírito das Leis, os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário compactuando com a luta contra os regimes totalitários, que costumam se sustentar nas mãos de uma pessoa ou instituição. E com esse objetivo Montesquieu ressaltou que cada um destes deveriam se equilibrar entre a autonomia e a intervenção nos demais poderes. Dessa forma, cada poder não poderia ser desrespeitado nas funções que deveria cumprir.
De acordo com Agamben, regimes totalitários rondam o tempo presente e parece que o referido teórico, dotado de brilhantismo intelectual, percebe a operacionalização no vazio das máquinas estatais, jurídicas e econômicas. Ao trazer estas reflexões para o terreno brasileiro e observar a crises entre os três poderes se observa área fértil para que os regimes totalitários voltem a tomar forma. E, senão agirmos racionalmente, buscando compreender o que se passa no contexto político atual estaremos munindo o absolutismo, a nossa inércia poderá conformar as novas regras totalitárias na judicialização da política.
É preciso apostar numa política que vem, a compreensão de conceitos como ética, democracia, liberdade precisam ser revistos. Agamben afirma em seu livro "A Comunidade Que Vem" que o ser mais próprio do homem é ser a sua própria possibilidade ou potência e, esse ser ou não ser caracteriza um débito. Assim, estamos em débito com o presente e o futuro nos cobra as possibilidades do bem viver, pois viver bem é o que os meios mediáticos em regime de colaboração com um capitalismo parasitário, conforme sublinha Baumam, alardeiam preenchendo o vazio de sujeitos que nutrem apenas as suas necessidades biológicas, conformando a sociedade do espetáculo.
Terezinha de Fátima Juraczky Scziminski
Mestre em Educação e Desenvolvimento Regional
Grupo de Pesquisa em Interdisciplinar em Ciências Humanas (CNPq)
Maria Benedita de Paula e Silva Polomanei
Mestre em Educação e Docente da UNC
Grupo de Pesquisa em Interdisciplinar em Ciências Humanas (CNPq)
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