Evolução agrícola foi rápida, valorização do agricultor nem tanto; Passado, presente e futuro da base do Brasil falam sobre a vida no campo

Gracieli Polak

BELA VISTA DO TOLDO/CANOINHAS
 
“Antes quem trabalhava no campo era chamado de colono. Hoje nós somos chamados de agricultores, mas, estamos em busca de um dia nos tornarmos empreendedores rurais. Esse é o futuro de quem trabalha na roça: adquirir conhecimento, melhorar sua produção, aumentar sua qualidade de vida, ser um empreendedor dentro de sua propriedade”, defende o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canoinhas, Edmar Padilha, ao falar da classe que defende e que amanhã, 25 de julho, comemora seu dia.
Da capoeira cortada a facão à utilização de implementos que preparam a terra do preparo à colheita, cerca de três gerações de colonos, agricultores ou empreendedores rurais produziram grande parte das riquezas do Planalto Norte. Entre as extensas plantações de soja e de milho e as pequenas, mas numerosas, lavouras de fumo, 23% da população da região se mantém no campo e alimenta não só um dos segmentos mais rentáveis da economia da região, mas também a mesa de uma população ainda maior. Com maquinário e tecnologia avançados, a tendência, segundo especialistas no assunto, é que a agricultura brasileira seja ainda mais representativa no mundo, com produções recordes e melhor aproveitamento do solo, no entanto, nas projeções de mercado, a figura do agricultor ainda é negligenciada. Mas é no campo, no suor da lida diária, que os alimentos presentes na mesa dos brasileiros são produzidos há séculos.
PASSADO EDIFICANTE
“Não tem explicação o quanto era diferente do que é hoje. Essa nossa luta na lavoura era muito custosa”, diz o agricultor aposentado Porfírio Iarrocheski, morador da localidade de Rio Bonito da Imbuia, interior de Bela Vista do Toldo. Aos 74 anos de idade, “quase isso de lavoura”, o agricultor viu crescer e se desenvolver seu ramo de atividade e, ao lembrar o trabalho naquela época o “contador de causos” é capaz até de fazer duvidar jovens acostumados com as facilidades da atualidade.
 Iarrocheski conta que na primeira vez que veio para Canoinhas, aos 11 anos de idade, acompanhou o irmão que trouxe uma “carrada” de erva-mate para comercializar na cidade. Na viagem que durou um dia para a ida e outro para a volta, muitas novidades assustaram o jovem colono, como o rádio, que o deixou chocado. “Mas eu levei um susto, parei e perguntei para o meu irmão o que que era aquilo. Não sabia que existia”, se diverte.
A erva produzida artesanalmente em carijos e barbacuás, as lavouras consorciadas, com o feijão malhado a cambau (em uma lona no chão, com varas), o trabalho de dias ou até semanas para a plantação de um único hectare de terra eram realidade na região, interligada com Canoinhas por uma estrada aberta a enxadão pelos colonos. “Ás vezes chegava a juntar de 50 a 60 carroceiros no mercado. Ninguém aqui tinha condução, nem mesmo os mais abonados. Se precisava ir até algum lugar ia de cavalo ou carroça, não era fácil como é hoje”, explica, mas defende. “Dava um trabalho desgraçado, mas não era ruim não. Aquele era o tempo da erva boa e a gente sempre colhia bastante, muita abóbora no meio do milho”, relembra.
Aposentado desde que completou 60 anos de idade, Iarrocheski foi diminuindo o ritmo de seu trabalho. Do passado sofrido no tempo que o cultivo da terra era artesanal, para o colono, sobrou muito orgulho de sua luta e o gosto pelo cultivo e pelo cuidado. “Para quem gosta de criação, o berro de uma vaca é uma alegria. Não tem explicação, mas com a idade, fica mais difícil administrar tudo”, diz. Criado no trabalho braçal, o agricultor passou a vida entre arados e implementos puxados a tração animal e hoje, com a idade mais avançada, arrenda suas terras para os agricultores. Mas o tema recorrente de suas conversas é o trabalho no campo, como o realizado pelo amigo José Oldemar Ossowski.
PRESENTE CONSOLIDADO
De aparência tranqüila e com olhar voltado para suas terras, Ossowski, que produz soja, milho, feijão, fumo, leite e gado de corte pertence a uma geração diferente da de Iarrocheski, mas partilha muitas discussões com o antigo agricultor. Morador da comunidade de Lagoa do Sul, Ossowski começou a trabalhar na terra também bastante jovem e aprendeu a plantar usando arados a cavalos, até que, aos poucos, o maquinário começou a ser adquirido. Desde a aquisição das máquinas, segundo ele, o trabalho ficou menos árduo, mas isto não significou grande facilidade para cultivar as lavouras. “É claro que diminui o trabalho, o tempo de plantio, mas trouxe novas preocupações. Hoje o agricultor tem de ter conhecimento para trabalhar com as máquinas, com agrotóxico, com adubos. Tem de se aprimorar e ainda torcer para que seu trabalho seja valorizado”, ressalta.
Da mesma geração de Ossowski, o agricultor Arnaldo Mielke também conheceu duas etapas distintas da produção agrícola da região. Enquanto jovem, o trabalho foi no cabo da enxada. De uns anos para cá, as máquinas ocuparam seu espaço no campo. Na localidade de Rio d’Areia de Cima ele planta fumo, milho, feijão, além de produzir leite, e sente a diferença na evolução de sua profissão, mas não o suficiente para fazer com que deseje que o filho, Aurélio, siga o mesmo caminho que o dele. “Hoje o fato de você ter trator e implementos facilita muito em algumas culturas, mas, nas pequenas propriedades, o trabalho ainda é braçal, como no caso do fumo. E muitas vezes não compensa, porque o custo é muito alto para pouco retorno”, afirma.
Vindo de uma família com 11 irmãos, Arnaldo foi um dos quatro que permaneceram na mesma profissão dos pais e agora, para o filho único, espera “uma profissão melhor”, segundo ele, com maior autonomia. “Na hora de comprar adubo o preço é imposto, você tem de pagar, mas na hora de vender o produto, quem escolhe o preço é o comprador. A gente fica nas mãos dos outros e eu não quero isso para ele”, esclarece.
DE OLHO NO FUTURO
Aurélio Miguel Mielke, de 17 anos, filho de Arnaldo, pretende permanecer na agricultura, mesmo que o pai não concorde completamente com sua decisão. Familiarizado com o trabalho rural desde pequeno, Aurélio conheceu a lida de uma maneira bem diferente da que do pai e embora o cultivo de fumo ainda demande uma grande carga de trabalho manual, a mecanização na propriedade dos Mielke acontece de larga data. Para se especializar no cuidado da propriedade que um dia será sua e para atender aos desejos do pai, Aurélio pretende cursar Agronomia ou Medicina Veterinária, mas não agora. “Eu não quero fazer vestibular agora, sair de casa. Acho que um pouco mais para a frente eu posso fazer isso”, conta. Mas nem todos os jovens da mesma comunidade pensam assim e grande parte não quer permanecer na agricultura, como o primo de Aurélio, Everton Renam Mielke. “Eu não quero ficar plantando fumo não. Quero estudar e ter uma outra profissão, mais valorizada”, explica. 
QUE FUTURO?
Em meio à alta demanda de jovens que largam a agricultura para viver na cidade, o questionamento em relação ao futuro é pertinente, mas não desanimador. Para as entidades de classe, ele está nas mãos dos jovens agricultores interessados em uma nova forma de produção: a empreendedora. “Estudos mostram que agricultores com condições melhores dão mais perspectivas para os jovens permanecerem no campo, o que faz com que haja melhoria na produção, na qualidade de vida, e que cada vez mais jovens desejem permanecer no meio rural”, fala o pesquisador Milton Luis Silvestro, da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).
Para Silvestro o grande problema da evasão do jovem do campo está entre a vontade de permanecer e a construção de um futuro na agricultura. “Faltam políticas públicas para fortalecer a profissão, para dar melhores condições de vida e rentabilidade”, defende.
Atuando nesta linha, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) promove cursos estimulando a formação de empreendedores rurais para agregar mais valor aos produtos rurais. Em Canoinhas, as aulas começaram em junho e criam um novo horizonte para o setor, já percebido pelos agricultores, como Ossowski. “O futuro está na transformação do colono em empreendedor rural. Um litro de leite é vendido aqui na propriedade por R$ 0,50, enquanto um quilo de queijo, que leva aproximadamente seis litros de leite para ser feito custa bem mais, como eu comprovei comprando esses dias em uma associação de produtores. Beneficiar faz com que o produto agregue renda e este deve ser o futuro da agricultura familiar”, defende.