Canoinhas é uma pequena cidade de pouco mais de 50 mil habitantes, mas a solidariedade, representada essencialmente por duas entidades filantrópicas, Apoca e Adosarec, a colocaram no mapa da admiração
A manhã fria e cinzenta parece aumentar o sofrimento de quem diz ter secado as lágrimas. Com aparência abatida e olhar perdido, Eliane Batista abre a porta para visitas corriqueiras, mas não menos ilustres. É a equipe da Associação dos Pacientes Oncológicos de Canoinhas e Região (Apoca). Marciana Salai, diretora da entidade, Jane Fontana, assistente social e dr. Wagner Trautwein, médico, chegam para ver seu marido, João Batista Junior, que sofre de um dos mais agressivos tipos de câncer. O gloplastoma grau 4, número máximo da escala. Esse tipo de câncer enraíza no cérebro de tal forma, que impede qualquer tentativa de cirurgia. A única esperança é a medicação, que conforme muitos médicos deixaram claro a Eliane, é paliativa.
Junior não fala, não anda e parece estar perdendo a visão. Está deitado numa cama, onde passa o dia recebendo medicação. ?É assim, uma semana em casa, outra no hospital?, explica Eliane. Junior luta contra o câncer há um ano, mas nunca perdeu a esperança. ?O desespero dele era saber que tinha algo, mas não saber o que era. Depois que ele soube o que tinha, só pensava em lutar contra o tumor?, conta Eliane. Tanto que, nesse período, conclui o curso de Turismo na Universidade do Contestado (UnC). Há pouco mais de dois meses, no entanto, o tumor não deu trégua. O medicamento, que custou R$ 116 mil, pagos pelo Estado depois que Eliane entrou com processo na Justiça requerendo o direito, deveria prolongar a vida de Junior por mais quatro ou cinco anos. ?Infelizmente, para ele, o medicamente não teve efeito?, lamenta Eliane, que mantém firme a esperança de ver o marido lúcido e curado.
Nesses momentos de ?provação?, como diz Eliane, nada mais apaziguador do que a visita de amigos. Assim ela define a atenção prestada pela equipe da Apoca a Junior. ?O que mais ouço deles é se estou precisando de alguma coisa?, lembra Eliane que diz estar no tratamento humanizado a grande luz que brilha sobre a entidade.
Gastos federais com pacientes de câncer aumentou 73% em seis anos
A importância de uma ONG como a Apoca encontra motivo nos números apontados pelo Centro de Pesquisas Oncológicos (Cepon), baseado em dados preliminares do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Os tumores são a segunda principal causa de morte no Brasil. Nos últimos seis anos, os gastos federais com pacientes oncológicos aumentaram 73%. Até o final desse ano, são estimados 980 novos casos de câncer somente na região do Planalto Norte catarinense, um aumento de 50% se comparados aos dados de 2000. 506 desses casos devem estar na região abrangida pela Apoca, que vai de Porto União a Mafra.
Um desses novos casos é o da dona de casa, ex-agricultora, Tereza Iurkiv Fuck. Aos 46 anos, ela descobriu um tumor na boca. Na manhã em que visitamos a Apoca, ela está com os exames prontos para ser encaminhada para cirurgia em Florianópolis, referência da Apoca no tratamento oncológico. Essa é a segunda cirurgia. E promete ser mais difícil. ?O médico disse que corro o risco de perder parte dos lábios, eu não quero ficar sem lábio. A primeira coisa que as pessoas olham é o rosto da gente?, lamenta.
Tereza é atendida pela Apoca desde 2004. Conhece muito bem o duro trajeto de 400 quilômetros que percorreu por mais de sete vezes para Florianópolis. ?A viagem não é nada confortável?, diz traduzindo a opinião de todos os pacientes oncológicos da região.
A situação, no entanto, já foi pior. Antes de a Apoca conseguir do Governo do Estado, um microônibus, os pacientes viajavam numa Kombi.
Apesar de estar montada a unidade de quimioterapia do Hospital São Braz, em Porto União, os pacientes da Apoca ainda não foram transferidos para lá.
Sem banco de sangue, alternativa é viajar
Até pouco mais de um ano, não era necessário doador nenhum brigar para poder doar. O Banco de Sangue do Hospital Santa Cruz estava aberto o dia todo para receber doações. O fechamento do Banco, provocado por inadequações sanitárias, colocou no caminho da Adosarec um de seus maiores desafios. Desde então, a entidade intensificou sua campanha por arrecadação de fundos para custear viagens dos doadores a Curitiba e Joinville, que possuem Bancos de Sangue credenciados pela Vigilância Sanitária.
?A luta aumentou, mas não desanimamos?, diz um empolgado Orestes Golanovski, presidente e fundador da Adosarec, um verdadeiro símbolo da solidariedade canoinhense, que está até mesmo no Guiness Book, como o maior doador de sangue do mundo.
Semanalmente, pelo menos 50 doadores viajam para os Bancos de Sangue. ?E sempre tem gente disposta a viajar?, conta Márcia. Basta ficar uma meia hora na sala de espera da Associação, para entender o que o que Márcia diz não é exagero. Embora seja preciso respeitar dois meses de intervalo (para homens, três para mulheres) entre uma doação e outra, o fluxo de doadores perguntando ?Tem viagem??, é ininterrupto. ?É assim o dia todo?, diz entre risos, a simpática secretária que parece não cansar de explicar aos doadores ser impossível transportar todos para os Bancos de Sangue.
O custo das viagens é pago com recursos de doações diversas que vem desde descontos em faturas de energia elétrica até empresas, rifas, bingos e doações diversas.
Desde março, o Hemosc de Joinville adapta uma sala no Hospital Santa Cruz para servir de unidade de coleta de sangue. O término das obras ainda é imprevisível.
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