Como um hospital que trabalha no vermelho consegue oferecer um atendimento de qualidade

CANOINHAS ? Há uma semana, Laurides Pinto Carvalho, 69 anos, está internada no Hospital Santa Cruz, de Canoinhas. ?Não fico seis meses sem passar uma temporada aqui?, brinca tentando disfarçar os incômodos da bronquite que a persegue há 30 anos. Laurides está internada em um quarto particular, herança do marido falecido que a deixou um plano de saúde. ?De outra forma (sem plano) estaria morta?, diz com seriedade assombrosa. Os remédios que necessita são caros. Apenas uma caixa de comprimidos custa R$ 300. Sua sorte está nos dois filhos, que se cotizam para custear os medicamentos da mãe.

Nesta rotina de idas e vindas ao HSC, Laurides passou a conhecer bem a rotina do maior hospital filantrópico da região. ?O atendimento aqui é muito bom, me sinto em casa?, afirma.

A opinião de Laurides é compartilhada por outros pacientes como Rosane Aparecida Rodrigues, 40 anos, e Helena Jesus Martins, 58 anos, que dividem o mesmo quarto há três dias. ?Fui muito bem atendida, não tenho queixa nenhuma?, afirma Rosane, que sofreu um ataque de nervos no domingo, 17, e precisou ser internada às pressas. Helena diz que o atendimento é bom, mas não vê a hora de voltar para casa. A expectativa era de que no dia seguinte ela recebesse alta. A dona de casa sofreu um enfarte no domingo, 17, enquanto cuidava do pai, que se recupera de uma cirurgia para retirada de duas hérnias de disco.

As histórias e o atendimento dispensado à Laurides, Rosane e Helena são semelhantes, mas muito mais que um corredor as separam, pelo menos na visão de quem paga as contas do HSC. Enquanto Laurides representa apenas 20% dos pacientes internados no HSC, chamados de ?particulares?, Rosane e Helena representam a vasta maioria de pacientes do SUS. Começa aí o maior desafio para manter o Hospital.

 

UM abismo entre nós

 

O conflito entre os hospitais filantrópicos como o HSC e o Sistema Único de Saúde (SUS) é antigo e as alternativas para solucioná-lo não são das mais atrativas.

A diferença entre o valor real das internações feitas por meio do SUS e o valor repassado pelo Sistema configura-se num verdadeiro abismo. Para se ter uma idéia, um paciente que tenha sofrido um AVC chega a custar R$ 1,51 mil ao HSC. O SUS repassa, no entanto, R$ 300 pelo tratamento. Quem arca com a diferença? ?O próprio HSC?, responde o administrador Roberto Rosa, que lembra ainda que o Estado não admite que o Hospital recuse pacientes. As Autorizações de Internamento Hospitalar (AIHs), emitidas pela Secretaria Municipal de Saúde são sempre insuficientes. ?Todo mês falta?, afirma o representante da comunidade na direção do HSC, Agenor Christofoli. É por meio das AIHs que o HSC consegue o ralo ressarcimento do SUS pelos internamentos.

Somente no mês de maio, dos 411 internamentos via SUS, o HSC conseguiu ressarcimento parcial de 349. Internamentos de somente um dia, como de uma criança que foi transferida, custou ao HSC R$ 262. O SUS cobriu R$ 22 deste valor.

Esta situação causa um déficit anual de cerca de R$ 380 mil ao Hospital.

Em abril, em uma atitude extrema, o administrador do HSC, Roberto Rosa, mandou correspondência às prefeituras da região, deixando claro que se não houvesse colaboração dos municípios, o atendimento para pacientes de fora de Canoinhas, que corresponde a cerca de 20% do total, seria interrompido.

A ação provocou reação da Secretaria Estadual de Saúde, que forçou o HSC a voltar atrás. Dessa forma, ficou o dito pelo não dito. O HSC teve de esquecer a correspondência, e as prefeituras igualmente a ignoraram. Mas a dívida continua a crescer. ?Nosso problema agora é o presente. Dívidas passadas conseguimos renegociar, mas e manter o fluxo de caixa mensal??, questiona Roberto.

Hoje, o HSC paga um Refis de R$ 5,5 milhões. Esta dívida só tende a aumentar e se eternizar, já que o HSC repassa apenas 3% de seu faturamento mensal para cobri-la. Enquanto isso, os juros vão inchando a dívida.

Quando reconhecida, em 2001, esta dívida estava em R$ 3 milhões.

 

 

Padrinhos não deixam o hospital parar

 

A ajuda de doadores é tímida, mas nunca deixou de existir. Seja por meio de descontos em contas de energia elétrica, doações de materiais ou em espécie, sempre tem alguém disposto a ajudar o HSC a não parar. ?Mas ainda precisamos de muita ajuda?, reforça Christofoli. Uma de suas idéias é fazer uma ampla campanha de apelo pelas doações por meio de contas de luz. Atualmente, Christofoli trabalha uma lista de 80 pessoas para ajudar a custear a pintura do HSC. ?É assim, com jeitinho, que a gente vai conseguindo sensibilizar a população?, revela.

Num trabalho de formiga, acadêmicas de Enfermagem da Universidade do Contestado (UnC), que cumprem estágio no HSC, conseguem reunir grupos de doadores para patrocinar a reforma de um quarto. Na conclusão da reforma, uma placa com os nomes dos doadores é fixada na porta do quarto.

Os Governos municipal e estadual, mesmo que esporadicamente, também contribuem. Nos últimos meses, R$ 250 mil em equipamentos foram entregues ao HSC. A demanda de gastos, no entanto, é alta, e requer empenho da equipe administrativa.