Poucos médicos, muitos pacientes; muitos resfriados, muito nervosismo; é em meio a extremos que funciona o Pronto Atendimento Municipal, que em menos de 24 horas atende mais de 200 pessoas
CANOINHAS - O recado é claro no cartaz estampado na entrada: ?O Pronto Atendimento Municipal é uma unidade destinada para atender casos de URGÊNCIA e EMERGÊNCIA. As consultas médicas deverão ser agendadas nas unidades de saúde (Policlínica, Clínica da Mulher e da Criança e Postos de Saúde dos bairros)?.
Por mais horas que se passe no saguão, no entanto, a maioria ignora o recado. Outro aviso, ao lado, que pede que somente um acompanhante permaneça com o paciente no saguão, é igualmente ignorado.
Durante as três horas em que a reportagem do CN permaneceu no P.A., entre 19 e 22 horas de segunda-feira, 9, testemunhou 36 pacientes dando entrada no P.A.. Eles se somaram a 170 pessoas que haviam passado pela unidade entre 13 e 19 horas. Apenas dois médicos se revezaram, neste período, no atendimento.
BATE BOCA
Um dos bate-bocas mais recentes, dentre os muitos que já aconteceram no P.A., aconteceu entre o presidente da Câmara dos Vereadores de Canoinhas Tarciso de Lima (PP) e um dos médicos que prestam serviço para a G.D. Serviços Médicos. Lima diz que levou o sogro para consultar de madrugada e ficou indignado ao ver que havia uma fila de pessoas a serem atendidas e seu sogro aguardava o exame de uma radiografia quando flagrou o médico tomando café e assistindo tevê. O bate-boca foi tão feio que precisou ser mediado pela secretária de Saúde Telma Bley. ?Não culpo a secretária e nem quero me valer da condição de vereador, quero apenas que qualquer cidadão que precise do P.A. seja respeitado?, garante Lima que desde então ? o episódio ocorreu na semana passada ? passou a monitorar o atendimento na unidade fazendo visitas furtivas todas as noites. Nestas visitas ouve reclamações de todo tipo. ?Escute o povo?, recomenda à nossa reportagem.
Lima apóia a volta dos médicos que prestavam serviço direto à prefeitura, sem intermédio de uma prestadora de serviço, como é caso da G.D. ?Médicos que conhecem o povo, que são daqui, vão atender muito melhor do que quem vem de fora?, defende Lima. A G.D. opera no P.A. desde 1.º de junho. Um processo licitatório foi aberto e em reunião na semana passada, os médicos que prestam serviço para a Contestado, empresa de Canoinhas ? a maioria deles ex-funcionários do P.A. ? decidiram participar do processo aceitando, inclusive, diminuir sua margem de lucro.
Emergências distorcidas
Os médicos que trabalham no P.A. são novos, mas antes mesmo de entrar na unidade, já sabem que pelo menos 90% dos atendimentos serão referentes a problemas respiratórios. ?Nesta época do ano é muito comum esse tipo de problema, ao invés de procurarem os postos de saúde, que seria o local indicado para atender esses casos, as pessoas preferem vir no P.A.?, conta a secretária da Saúde Telma Bley.
Para constatar o que diz Telma basta acompanhar o fichamento na recepção. Durante todo o tempo que nossa reportagem permaneceu no local, nenhum caso de emergência ? que é a prerrogativa do P.A. ? surgiu e, realmente, a maioria dos pacientes sofre de problemas respiratórios. É o caso de um homem que antes de preencher a ficha de entrada perguntou se havia muitos a serem atendidos. Com a afirmativa da recepcionista, disse ?melhor eu vir amanhã cedo então?.
Telma garante que a confusão entre emergência e casos rotineiros provoca a sobra de fichas no interior. ?As pessoas vêm para o centro e aproveitam para consultar no P.A.?, afirma.
Dessa forma, o bolo de gente que se forma na recepção do P.A., entre emergências, casos rotineiros e acompanhantes forma uma verdadeira panela de pressão, prestes a ser explodida pelos mais nervosos e intolerantes.
MAIS DE UMA SEMANA PARA SER ATENDIDO
O congestionamento no P.A. pode ser explicado pela demora no atendimento na Policlínica. Para se marcar uma consulta no posto que atende somente especialidades como ginecologia e ortopedia, pode-se até agendar por telefone, mas é preciso esperar até uma semana, ou mais, para ser atendido.
Postos como o do Campo d?Água Verde, que funciona no mesmo prédio da Policlínica oferecem atendimento médico no mesmo dia, mas é necessário enfrentar uma verdadeira odisséia que se inicia às 7 horas e termina, muitas vezes, à tarde. O paciente marca a consulta às 7 horas, o que significa que é necessário chegar às 6 horas sob risco de não conseguir consulta e aguardar o médico chegar, o que é imprevisível. Alguns chegam no horário e outros, por compromissos profissionais como cirurgias de emergência ou pacientes passando mal, atrasam por horas ou simplesmente não vem.
Mães com filhos com problemas respiratórios reclamam ter de sair com os filhos de madrugada para agendar a consulta. ?Eles adoecem mais ainda?, reclama uma mãe que não quis se identificar. Carla Adriana, enfermeira-chefe do Posto do Campo d?Água Verde diz que mesmo assim, o posto consegue manter os pacientes do bairro sempre atendidos. Ela destaca ainda o trabalho do Programa Saúde da Família, segundo ela, essencial na prevenção de doenças.
FALHA NA DETECÇÃO
Mas como detectar o que é emergência e o que é um caso rotineiro? Alexandra admite que mesmo com seus três anos de experiência na recepção, não se arrisca a traçar tal diagnóstico. ?Existem três níveis de triagem. O primeiro é feito pela recepção, depois passa pela equipe de auxiliares e por último pelas duas enfermeiras?, explica a enfermeira-chefe Carine Carvalho. As falhas, no entanto, parecem iminentes. Ao menos na visão dos pacientes.
Adriana Ribeiro conta que trouxe o filho com graves problemas respiratórios e o médico diagnosticou gazes. No dia seguinte o menino foi internado com pneumonia. Na mesma noite, novamente, Adriana queria consultar porque o menino estava com tosse e febre. Quer saber se é possível consultar com outro médico e não o que diagnosticou gazes. Ao ser questionada sobre porque não levou o menino em um posto de saúde, diz que se fosse ?tirar ficha?, perderia o dia de trabalho, já que nos postos, em geral, marca-se a consulta às 7 horas para se consultar manhã adentro. ?Único horário que tenho para trazer ele (o filho) é à noite?, justifica repetindo a resposta da maioria que sabe que seu caso não é de emergência, mas que, de uma forma ou de outra, precisa consultar um médico.
PACIENTES X MÉDICOS E PREFEITURA
Acompanhe os argumentos na batalha pelo atendimento no P.A.
PACIENTES |
MÉDICOS E PREFEITURA |
Reclamação número 1: demora no atendimento; alguns levam mais de cinco horas para serem atendidos |
A alegação número 1 é o excesso de pacientes no P.A., o que seria evitado se mais pessoas que não caracterizam casos emergenciais procurassem os postos de saúde dos bairros |
Alegam que os postos dos bairros apresentam inúmeras dificuldades como limite de fichas, falta de médicos e demora no atendimento. Por ser durante o dia, é necessário faltar ao trabalho |
A Secretaria de Saúde afirma que os médicos atendem normalmente nos postos que cada vez mais estão sendo equipados. Quanto a falta no trabalho, basta pedir atestado, que o médico não negará |
Queixam-se de grosseria por parte dos médicos |
A Secretaria de Saúde diz que as pessoas reclamam, mas não oficializam as reclamações onde deveriam ? na própria Secretaria. Somente com a oficialização das reclamações é possível apurar os fatos |
Queixam-se que pacientes que chegam depois tomam sua frente |
Na triagem feita pelas enfermeiras, são detectados os casos mais graves que sempre terão prioridade no atendimento |
NÚMEROS
206, foi o total de pacientes atendidos entre 13 e 22 horas de segunda-feira, 9
4 minutos, é o máximo de tempo sem que surja um paciente
2 enfermeiras fazem a triagem
2 médicos se revezam no atendimento
1 recepcionista cadastra os casos
R$ 33 é quanto ganha cada médico da G.D. por hora trabalhada
R$ 50 era quanto recebia os médicos por hora antes da contratação da G.D.
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