Que coincidência é o amor?
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João e Maria vivem juntos há mais de uma década (Fotos: Priscila Noernberg)
Quando Marica e João decidiram compartilhar os problemas que enfrentavam, as dificuldades praticamente sumiram e hoje parecem ser uma só pessoa
Talvez a Humanidade jamais saiba explicar as coincidências do amor, mas é gostoso demais poder conhecer estas histórias, não é mesmo? Destino ou coincidência, a vida aproximou Maria Nanci e João Maria (que não por acaso possuem "Maria" no nome) de um jeitinho que nos emociona e por isso a história de amor deles faz parte da série "Vidas Especiais II". O carinho entre ambos é perceptível no semblante e em cada gesto.
Depois de passar por muito sofrimento, Maria Nanci Lourenço, a dona Marica, voltou à região para morar no São Cristóvão, em Três Barras, justamente em frente à casa de João Maria Pereira, que de igual forma convivia com uma decepção amorosa. As desilusões, no entanto, não eram os principais problemas. Marica havia perdido a visão em decorrência de um glaucoma há 12 anos e João lutava para conviver com a esquizofrenia.
João encantou-se por Marica e os dois passaram a viver juntos. "Faz quase 11 anos isso", conta ela. A relação foi formalizada apenas em 3 de dezembro do ano passado em cerimônia na Igreja Quadrangular do bairro onde vivem. A Associação Catarinense de Deficientes (ACD) ajudou Marica a conseguir seu registro de nascimento e um vestido de noiva para realizar este sonho: casar de branco, com véu e grinalda. E com uma comemoração realizada dentro da própria igreja, receberam a bênção matrimonial, ela aos 63 anos e ele aos 59.
Estes momentos de felicidades começaram a surgir na vida de Maria depois de perder a visão. "Antes eu não vivi. Eu sofri muito. Eu passei medo, passei fome, passei tudo o que você poderia passar", desabafa. Foi nos braços de João que encontrou a felicidade. "Destes dez anos para cá eu estou vivendo porque ele é bom, é maravilhoso é atencioso. Pra mim hoje não importa eu não ver", assegura. A esquizofrenia machucava demais João que encontrou em Maria parte de si - ela ajuda a controlar a medicação do marido. "Destes anos que estamos juntos ele foi apenas uma vez para o hospital", comemora. Se João é os olhos para Maria, ela é a sabedoria que faz de João um homem forte e alegre. Eles são a materialização do versículo de Gênesis que diz que com o matrimônio dois tornam-se uma só carne.
A vida de ambos passou ser especial também pelos seus descendentes. Marica é mãe de 14 filhos. João não tinha herdeiros e passou a ser o pai para os de Marica. "Meus filhos começaram a ter o carinho de pai que nunca tiveram", comenta. O casal possui ainda 21 netos e oito bisnetos.
ACD
O casal é associado à ACD. Marica lembra bem quando Zé falou sobre a entidade pela primeira vez: "ele disse que aqui é igual a um namoro, nós vamos nos conhecer, vamos noivar, casar, mas não vai ter divórcio. Mas teve a separação. A separação foi a morte. A gente perdeu ele e a gente sentiu muito". A ACD é como uma família para os associados atuantes e muitos deles sentiram o chão balançar com a morte de seu fundador no ano passado. Marica também perdeu o pai em novembro. Ele era associado. A mãe dela, Ernestina Lourenço, ainda continua no quadro aos 89 anos. Ernestina é cadeirante.
A vida do casal mudou muito quando passaram a frequentar a ACD: "eu era uma pessoa nervosa. Eu achava que o meu problema era enorme. Depois que a gente veio pra cá conhecemos outras deficiências. E as pessoas olham pra mim e dizem assim, 'nossa, você caminha tão bem, como enxerga? Nossa, como você pinta bem. Como você consegue encapar caderno de receita?' E eu sempre digo que eu perdi o olho e não a mão. Eu via como as pessoas conseguiam lidar com a suas deficiências e aprendi a lidar com a minha", conta. Maria começou a ver como as pessoas são felizes e como ela, ao lado do marido, poderia ser também. João guia Marica nas mais variadas atividades, mas ela é muito independente. Maria tem disposição para fazer muita coisa que outras pessoas com visão fazem de conta que não enxergam: como limpar a sujeira da casa e lavar a roupa! Além disso, ela faz pães e costura.
No grupo de convivência que frequentam todas as quartas, João e Maria participam das mais variadas atividades. O serviço de convivência e fortalecimento de vínculos é uma das áreas de atuação da ACD que ainda defende e garante os direitos da pessoa com deficiência, encaminha para o mercado de trabalho e a benefícios eventuais.
Carinho
Marica nasceu no interior de Canoinhas, em uma localidade que ela chama de "Barra Feia". Ela teve e memória prejudicada e lembra pouco de sua vida quando ainda enxergava. Sabe que começou a trabalhar cedo, aos nove anos. João nasceu em Timbó Grande. Ambos viveram, cada um em momentos diferentes, em outras cidades e acabaram se encontrando no São Cristóvão. A base da vida do casal é o amor que sentem um pelo outro. "Eu gosto muito dela. Dos carinhos. Ela me faz muito bem porque ela me dá amor, carinho", revela João.
A vida tornou-se especial quando se conheceram e é por isso que Marica aconselha: "ninguém deve ter vergonha de receber e dar carinho. Se as pessoas demonstrassem carinho seriam muito mais felizes".
As dificuldades que a vida trouxe ao casal foram superadas. A esquizofrenia e a cegueira não são problema graças ao remédio que surgiu em seus corações: o amor. O sonho de ambos é viver o amor envelhecendo juntos.
Esquizofrenia
A esquizofrenia é uma doença psicótica. Esse estado mental indica uma perda de contato com o real. A pessoa que atravessa uma crise psicótica pode ter alucinações, delírios, mudanças comportamentais e pensamento confuso. Entre as causas estão fatores genéticos e ambientais, especialmente àqueles que afetam o cérebro em desenvolvimento. O quadro clínico se manifesta com isolamento/retraimento social, inafetividade, comportamento estranho, pensamento fragmentado ou desorganizado, delírios, perturbação da percepção ou alucinações, perda de iniciativa, apatia, prejuízos na execução de tarefas e fluência da fala, déficit de atenção e memória, entre outros. A doença tem uma evolução crônica. Medicamentos formam a base do tratamento. Outras ações como psicoeducação com a família, terapia ocupacional, musicoterapia, educação física, atividades na comunidade promovem adequação e reinserção social, além do controle de sintomas.
Fonte | Unidade Intermediária de Crise e Apoio à Vida
Glaucoma
Glaucoma pode ser definido como uma lesão do nervo óptico, de caráter progressivo, com perda de campo visual e risco de cegueira, caso não diagnosticado e tratado a tempo. O glaucoma de ângulo estreito ocasionalmente pode apresentar sintomas, como fisgada no olho, associada a olho vermelho, borramento temporário da visão e percepção de halos coloridos ao redor de luzes. Já o glaucoma de ângulo aberto, na maioria dos casos, evolui lentamente, sem que o paciente perceba. O diagnóstico precoce só é feito em exame oftalmológico preventivo. O dano causado pelo glaucoma pode se transformar em cegueira irreversível. É por isso que a prevenção ainda é o melhor remédio: quando você diagnostica a doença precocemente, há menor o grau de lesão do nervo e maior chance de controle do glaucoma.
Fonte | Hospital de Olhos Sadalla Amin Ghanem
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