Saudosos de amigos que se foram, internautas lotam páginas de recados no Orkut com recados que transformam páginas pessoais em verdadeiros memoriais
?Sabe o que tava lembrando ontem? Da nossa porta da facul, nosso projeto com o André, a Kellyn e a Monica... Chorei de rir meu quando achei uma foto sua aqui fazendo careta! Graças a Deus minhas lembranças suas me fazem rir meu veio! Porque se fosse ao contrário, ou melhor, já tá difícil assim... imagina se fossem más lembranças!?.
Esse é apenas um dos vários recados que lotam a página virtual do estudante Mauro Martins, morto aos 19 anos depois de capotar o carro do pai, um Fiat Marea, na SC-303, na entrada de Três Barras em 9 de julho deste ano.
Desde o fatídico dia do acidente até hoje, diariamente, amigos e familiares postam recados para Mauro. A tônica é basicamente a mesma. Os remetentes parecem acreditar que Mauro realmente lê os recados. E não é um fato isolado. Basta dar uma zapeada por páginas no Orkut de pessoas falecidas, para encontrar recados semelhantes.
É o caso da dentista Elaine Pereira, morta em um acidente na BR-116 na quarta-feira, 25. Recados como ?Com certeza tu está em um lugar muito especial e repleto de flores... lindo como você. Sempre te admirei? e ?Que Deus te ilumine muito e que um dia a gente se encontre novamente? são corriqueiros na página de recados de Elaine.
Em uma semana foram mais de 90 mensagens de despedida e lembranças na página de recados da dentista.
Recentemente, o acidente com um Boeing da Gol, que vitimou 155 pessoas, fez as páginas dos mortos no acidente virar um verdadeiro memorial. Foram mais de mil recados enviados a uma só vítima numa questão de dias. A repercussão foi tamanha que o próprio Google, que administra o site de relacionamentos, decidiu decretar luto pelos mortos.
SE MORRER, MEU ORKUT FICA?
No seu termo de uso, o Orkut não especifica se elimina o cadastro de uma pessoa morta, caso seus familiares façam este pedido ? daí a comunidade Se eu morrer, meu Orkut fica!.
A idéia não agradou, por exemplo, a família de Daniele Herbst, que morreu aos 27 anos, em maio deste ano, atacada por uma bactéria ainda não identificada. Como amigas tinham acesso à senha de Daniele, seu perfil foi apagado. ?O computador aceita qualquer coisa. O que as pessoas, muitas vezes, não tem coragem de dizer pessoalmente, se torna mais fácil de ser escrito no Orkut. É uma maneira das pessoas demonstrarem o que estão sentindo?, diz Fernanda Fleith, amiga que deletou o perfil de Daniele a pedido da família, porque tinha a senha da amiga. Antes, no entanto, fez uma cópia de todas as mensagens para guardar de lembrança.
Ivone Martins, mãe de Mauro, também imprimiu todos os recados deixados para o filho logo nos primeiros dias após a tragédia, mas hoje diz que prefere não entrar no Orkut. ?Se soubesse a senha, preferia deletar o perfil?, revela.
LEMBRAR OU XERETAR
Enquanto muitos usam o site para consolar e ser consolado, outros tantos entram nas páginas dos mortos simplesmente para xeretar. ?Existe uma curiosidade natural sobre a morte e, por isso, muitas pessoas navegam por estes perfis?, afirma a psicóloga Andréa Nolf.
Há, inclusive, diversas comunidades que reúnem links das páginas dos mortos e detalham os motivos da "partida" ? um verdadeiro deleite para os mórbidos. Mas será que é saudável manter um relacionamento virtual com alguém que não está mais por aqui?
Andéa não vê problemas na prática. ?Pode ser reconfortante para os familiares entrarem naquela página e ver como a pessoa falecida era querida. Esta é uma face nova do luto que funciona de maneira parecida com um registro fotográfico?, comenta ela.
Mas esse conforto pode beirar o sadismo. A mãe de um menino falecido que tem perfil no Orkut, disse ao CN que se preocupa com a filha que depois da morte do irmão evita falar com os pais sobre o assunto. No Orkut, no entanto, a menina extravasa suas emoções, escrevendo recados carinhosos ao irmão, dizendo não suportar a saudade. ?Ela nos substitui pelo computador?, se ressente a mãe.
Há, no entanto, a possibilidade de mensagens desagradáveis serem deixadas nas páginas de quem já partiu. ?É como se alguém invadisse uma missa de sétimo dia para falar mal do morto?, compara Andrea. Este é um risco que os usuários correm, pois poucos compartilham suas senhas de acesso com alguém que possa apagar o perfil em ?caso de emergência?, como fez Daniele. ?Enquanto usado por pessoas do bem, o Orkut é maravilhoso?, diz Fernanda, que ficou indignada ao ver recados desrespeitosos na página da amiga falecida.
DELETAR OU ETERNIZAR?
Se você está no site de relacionamentos, vale pensar sobre o assunto. Alguns precavidos, por exemplo, optam pelo fim da vida virtual e se cadastram em grupos como Se eu morrer, deletem meu Orkut, Ñ quero meu Orkut aki qd morrer e Se eu morrer apague meu Orkut!. Na contramão, há o Se eu morrer me enterre na PGM (profile de gente morta) criada por uma internauta que quer comentários sobre sua morte e também questiona se o acontecimento vai ?dar ibope?.
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