O professor Fabiano Mielniczuk, que atua no programa de estudos estratégicos internacionais da UFRGS, avalia também que o Brics, diferentemente de outros blocos, cresce unindo atores com regimes políticos e econômicos diferentes.
“Os países sempre falam que eles não são anti-ocidentais. Eles só não são ocidentais. Eles pretendem fazer uma cooperação econômica e política que apresente alternativas àqueles que não querem seguir tudo que o ocidente prega como sendo a maneira correta de viver e de se organizar politica ou economicamente. Não precisa ser todo mundo igual, agindo a partir da mesma cartilha de racionalidade ocidental. Quanto mais diferença, melhor”, disse.
Mielnickuk destacou ainda que a cúpula de Kazan, na Rússia, serviu para reunir países com atritos entre eles, como China e Índia, Armênia e Azerbaijão, Egito e Etiópia, e que o Brics pode funcionar como uma organização para estabilização de tensões internacionais.
“A China e a Índia fizeram um encontro bilateral que não ocorria há quatro anos por conta de problemas entre suas fronteiras, que arriscava até levar a um conflito, e eles resolveram esses problemas. Isso é muito bom para sinalizar para o mundo que os BRICS podem ser uma plataforma também para facilitar a conversa e a cooperação”, destacou.
Para a professora da PUC do Rio, Maria Elena Rodríguez, é incorreta essa visão de que o grupo tenta ser uma espécie de contraponto ao ocidente. “Não é estar contra o ocidente. O Brics é um fortalecimento desse Sul Global. E isso, de alguma maneira, vai colocá-los nesse cenário internacional e o ocidente vai ter que, de alguma maneira, reconhecer. Acho que já reconhece”, disse.
Brasil e Dilma
O convite para a ex-presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, continuar no Banco do Brics foi um reconhecimento do prestígio do país, resultando em uma política vitoriosa das relações exteriores do Brasil, na avaliação de Mielniczuk.
“Lula chama atenção para a necessidade de se pensar em mecanismos alternativos ao dólar. E é exatamente isso que a presidente Dilma está fazendo no banco do Brics. Acho que o Brasil jogou duro nas negociações de novos membros para conseguir colher resultados em outro lugar, e esse outro lugar foi o banco do Brics. Foi muito bem sucedida a cúpula do ponto de vista da diplomacia brasileira”, avaliou.
A professora Maria Elena lembrou que o Brasil assume a liderança do bloco no próximo ano e que o desafio será enorme diante de uma organização mais ampla e mais consolidada.
“Terá que ser uma agenda que recolha os anseios e as aspirações do Brasil e do continente. Como avançar na questão de o que os BRICS querem no futuro, como concretizar as políticas e os instrumentos econômicos? Como concretiza as negociações em moedas locais?”, questionou.
O aumento do uso de moedas locais no comércio dentro do bloco e a criação de uma plataforma interbancária que conecte os sistemas financeiros dos países membros estão entre os desafios futuros do Brics.
Rússia
Outro resultado da cúpula do Brics foi mostrar que a Rússia não está isolada por causa da guerra na Ucrânia, na avaliação de Fabiano Mielniczuk.
“Isso quer dizer que todo mundo que foi para lá apoia a Rússia em tudo? Não, não quer dizer. O Brasil mesmo tem posturas que são contrárias, muitas vezes, aos interesses russos. Só que eles são adultos já o suficiente para entender que é normal que os estados tenham interesses diferentes”, ponderou.
Para a professora Rodríguez, da PUC de Minas, não se deve reduzir a cúpula do Brics apenas à Rússia pelo fato de ela sediar o evento e estar em guerra.
“Muitos falam que a cúpula foi um triunfo para a Rússia, mas acho que é um triunfo para o Brics mesmo. Mostra a consolidação desse bloco que tem uma voz e tem uma presença no mundo global já muito consolidada”, destacou.
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