Discriminação ainda é desafio para empreendedores LGBTQIA+
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Discriminação ainda é desafio para empreendedores LGBTQIA+ (Fotos: Agência Brasil)
No Brasil, segundo uma pesquisa do Datafolha divulgada em 2022, 15,5 milhões de pessoas se identificam com uma das letras da comunidade LGBTQIA+. Mas, apesar de corresponder a 9,3% da população, esse contingente de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais e demais dissidências de orientação sexual ou de identidade de gênero enfrenta dificuldades de se inserir no mercado de trabalho.
Como alternativa, muitos destinam seus esforços a construir o próprio negócio e recorrem ao empreendedorismo, como indica a analista de Diversidade e Inclusão do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) Louise Nogueira. “Temos dados e informações que mostram que as pessoas da comunidade LGBTQIA+, mais ainda quando se declaram publicamente parte da comunidade, têm muitas dificuldades de serem inseridas no mercado de trabalho, então o empreendedorismo acaba sendo uma saída para elas”.
Na quinta-feira (28), o Sebrae concluiu a primeira edição do projeto Transcender - Empreendedorismo LGBT+, voltado para negócios liderados por pessoas LGBTQIA+. Durante o Seminário Transcender, realizado na sede da instituição, na zona central do Rio de Janeiro, os 51 selecionados para o projeto participaram das palestras Boletim de Inteligência LGBT+ e Liderança para Negócios Liderados por pessoas LGBT+, além da entrega de certificados.
Discriminação
Responsável pelo projeto, a analista do Sebrae destaca que vulnerabilidades especificas de populações dentro do grupo aumentam ainda mais a necessidade de buscar alternativas para a sobrevivência. “No caso das pessoas transgêneras, a dificuldade é ainda maior porque não conseguem concluir os estudos, acabam saindo de casa muito cedo pela não aceitação dos pais e não conseguindo entrar no mercado de trabalho, até porque não têm qualificação É uma vida muito difícil, então para todos esses grupos enxergamos que o empreendedorismo é uma saída para que essas pessoas possam ter autonomia financeira, crescimento pessoal, gerar renda e gerar emprego”, avalia Louise Nogueira.
Para ela, a falta de informação sobre o mercado e os consumidores são dois dos principais desafios enfrentados pelos empreendedores LGBTQIA+. Existem, também, a discriminação ligada às diferentes orientações sexuais e identidades de gênero, como e traz o professor do Departamento de Turismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Lucas Gamonal.
“Muitas vezes, as pessoas têm preconceitos associados à aparência, a trejeitos e até mesmo com relação a pessoas que convivem com HIV. Por mais que pareça distante, isso ainda existe, então vão ter pessoas com receio de consumir produtos e serviços em virtude dessas questões”. Gamonal acrescenta ainda que, em contrapartida, aqueles que integram a comunidade LGBTQIA+ podem se sentir mais seguros e pertencentes, consumindo e oferecendo serviços a pessoas do mesmo grupo, promovendo também a valorização da comunidade.
Única pessoa transexual participando do Transcender, Carol Romeiro é dona do salão de beleza Carol Romeiro Hair Studio, no bairro de Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste da capital fluminense. Como a maior parte dos empreendimentos selecionados para a primeira edição do projeto, o negócio surgiu após a pandemia, em 2022, como forma de encontrar um espaço de trabalho livre de agressões por conta da sua identidade de gênero.
“Trabalho há dez anos com salão de beleza, entre idas e vindas dentro do mercado, porque na falta de emprego sempre recorremos àquilo que é o mais comum para as mulheres trans e que sempre acontece no momento de transição, principalmente no início, quando não nos enquadramos em padrão A ou B. Mesmo com preparação, mesmo com bons certificados, tem sempre esse momento em que acabamos tendo que recorrer à prostituição”, disse.
Em entrevista à Agência Brasil, ela compartilha que a vontade de abrir o próprio negócio surgiu quando o salão em que trabalhava fechou e ela se viu na condição de ter que voltar à prostituição para se manter. “Ia ter que voltar de novo para essa corrida. Mas eu tinha a clientela. Então comecei a atender em casa e, assim, veio a necessidade de ter o meu próprio negócio para não ficar refém de uma patroa ou de um patrão que pudesse me cortar a qualquer momento. Entendi que se eu tivesse meu espaço para trabalhar e ali fizesse meu dinheiro, não ia depender de ir para lugares que não queria estar nunca”.
Mesmo sendo dona do próprio negócio, Carol conta que ainda hoje precisa enfrentar situações de discriminação e de violência com clientes. “As pessoas querem se impor, elas não querem chegar e pedir por um serviço. Já chegou pastor no salão querendo evangelizar, falando que Deus tinha uma revelação para mim se saísse daquela vida, como se eu fosse uma coisa doente ou pecaminosa. São várias situações que ainda passo diariamente.”
Oportunidades
Segundo o professor da UERJ, faltam investimentos em educação e em capacitação para fomentar não só o empreendedorismo, mas a inserção de pessoas LGBTQIA+ no mercado de trabalho. Como ele reforça, muitas pessoas que integram a comunidade têm suas realidades interrompidas em razão de conflitos familiares e acabam em situações socioeconômicas precárias.
“Muitas das iniciativas empreendedoras ou mesmo de empreendimentos formais surgem dessas inseguranças e inquietações de não se sentir representado, acolhido, benquisto ou valorizado nesses ambientes. Além disso, existem necessidades e desejos próprios da comunidade, que então se tornam oportunidades de criações de negócios”.
Para o artista plástico Matheus Pretovich, também deve ser considerada a possibilidade de perda de investimentos por se identificar explicitamente como um empreendimento liderado por uma pessoa LGBTQIA+, que se identifica com as causas da comunidade. “É o medo de perder pauta por isso, perder vendas ou perder seguidores que hoje em dia, infelizmente, é uma coisa muito significativa, principalmente para artistas independentes.”
Apesar de identificar esse como um receio de vários empreendedores, o artista ressalta que existe uma comunidade forte que se tornou uma comunidade consumidora. “Trazer essas pautas, defender isso, produzir conteúdo sobre isso e antecipar esses diálogos também nos conecta com essa comunidade, que é um mercado consumidor significativo e crescente. Vemos grandes empresas se posicionando dessa forma, por que não a gente também fazer isso?”, questiona.
Natural do Rio Grande do Norte, Matheus sonha em, a partir do Transcender, conseguir abrir um café que seja um espaço acolhedor e diverso, “sem medo de perder público ou negócios por ser quem eu sou, abraçar quem eu abraço ou defender quem eu defendo”.
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